Episódio 6 - Transcrição

(José Carlos Belotto) Eu, para mim, sei lá, a pessoa mais inteligente que eu já vi na vida é o Petraglia. A inteligência do cara assusta, a visão dele assim… assusta

Esse aí é José Carlos Belotto, que você já conhece, do episódio 4. Belotto era presidente da Fanáticos em 1995, quando um grupo comandado por Petraglia assume o Athletico sem eleições, após uma virada de mesa.

Além de ser o líder da maior torcida organizada do Athletico, Belotto era conselheiro do clube. Por isso, ele participou de algumas reuniões em que o Petraglia expôs, logo na chegada, algumas ideias para profissionalizar a gestão do time.

(José Carlos Belotto) E daí ele falou “nós vamos conhecer o que os maiores clubes do mundo fazem e vamos ver o que se adapta para nós. Isso se chama benchmarking e tal… Daí montou uma equipe, não me lembro quem que foi com ele lá, foram conhecer o Real Madrid, o Barcelona, Manchester e tal… e daí ele voltou com o diagnóstico. Daí ele falou assim: ‘ó, um clube social não sustenta um clube de futebol’. Ele falou ‘o Paraná Clube vai queimar todo… toda a gordura, todo o patrimônio vai virar um moribundo’.

É triste, mas essa previsão do Petraglia se confirmou. O Paraná Clube, que era rico em patrimônio e foi a maior potência do futebol local no início dos anos 1990, está em recuperação judicial, sem divisão no campeonato nacional e vai jogar a segundona do estadual mais uma vez em 2024.

Mas, se desfazer da sede social e focar na estrutura de futebol não foi a única diferença entre as gestões do Paraná Clube e do Athletico Paranaense nos últimos 30 anos.

(José Carlos Belotto) Daí ele falou ‘ó, para a gente estar entre os primeiros, nós temos que ter uma das melhores infraestruturas do mundo, nós temos que estar na frente da infraestrutura, nós temos que estar na frente da ciência’… E também ele falou ‘o que sustenta um grande clube de futebol é compra e venda de jogadores’. Na época o Atlético tinha o parque aquático lá, tinha uma casa, tinha 300, 400 jogadores nas categorias de base. Ele falou ‘ah, não vamos mais ter eh 300, 400… nós vamos ter é 30, 40, mas semipronto. Nós vamos vasculhar atletas com potencial aí que vale a pena a gente investir mais dois, três anos, lapidar eles e eles estarem prontos’.

A formação, a compra e (principalmente) a venda de jogadores viraram um pilar da estrutura do Athletico. 

Nessa hora você pode estar pensando: “tá, isso vale para quase todos os times”.

Sim, vale. Mas o que chama a atenção é a forma como um projeto elaborado pelo Petraglia transformou um clube quase falido no mais lucrativo da América neste quesito.

Em setembro de 2023, um levantamento do Centro Internacional de Estudos Esportivos apontou o Athletico como o clube que mais lucrou fora da Europa com transferências nos últimos dez anos. O superávit (ou seja, a diferença entre o que se gasta na compra e o que se ganha na venda) foi de 184 milhões de euros – quase 1 bilhão de reais.

Nesse mesmo estudo, o top 20 mundial tem apenas quatro clubes não europeus. O Athletico Paranaense (16º) vem logo à frente do River Plate (17º), do São Paulo (19º) e do Grêmio (o 20º).

(Youtuber do Canal Foot Mercato) En revanche l’OL n’a pas attendu le dernier moment pour officialiser l’arrivée du milieu de terrain de l’Athletico Paranaese Bruno Guimarães. Les Gones ont déboursé 20 millions d’euros pour s’attacher ses services.
(Youtuber do Canal Pedro Alcazar21) Muy buenas, chicos, hoy os traigo un nuevo reaccionando a un nuevo fichaje del Atlético de Madrid ya tenéis su lateral zurdo, se llama Renan loddy… y bueno, las cifras, pues eh, está en torno a los 20. 25 millones.
(Apresentador do Fox Deportes) el fichaje de Víctor Roque por qué bueno como que el Barcelona se atrasaba un poco y el club de Víctor en Brasil le mandó a decir al Barça si no te apuras tengo otra ofertas 30 millones de euros más otros 31 en variables.

Quando eu era pequeno, eu não conseguia entender por que o meu time vendia jogadores. Me doía ver o Oséas marcar gols pelo Palmeiras. Eu sonhava em ter o Kleberson para sempre na Baixada. E, claro, eu tive ódio do Dagoberto, que nos trocou pelo São Paulo.

Com o tempo eu fui entendendo, né? Futebol se faz com dinheiro, e o Athletico não está no topo da cadeia alimentar. Tem sempre algum clube capaz de fazer uma proposta irrecusável e de pagar um salário impraticável para um time de Curitiba.

E tenho a impressão que a torcida do Athletico, de modo geral, também foi se acostumando e até aprendendo a gostar das grandes vendas. É cada vez mais raro perder uma estrela do time para um clube brasileiro. Os craques estão indo direto para o exterior por valores obscenos e, quando isso acontece, os athleticanos compartilham figurinhas do Petraglia nos grupos de WhatsApp.

Existe em torno do Petraglia um mito de negociador implacável. Um cara capaz de fazer fortunas até com jogadores “mais ou menos”.

[LEITURA DE DOCUMENTOS]
Atlético Paranaense lucra 12 milhões de reais com a venda de Fernandão na Turquia.
Documentos revelam lucro de 8 milhões de euros do Atlético Paranaense com Marcelo Cirino e Douglas Coutinho.
Athletico Paranaense acerta a venda do zagueiro Robson Bambu ao Nice por 47 milhões de reais.
Furacão vende o zagueiro Lucas Fasson para o Lokomotiv por 15 milhões de reais.
Vendido ao São Paulo por 6 milhões de euros, atacante rescinde com o tricolor e volta ao Furacão.

Mas, conforme combinado, a proposta deste documentário não é ficar só exaltando os feitos de Mario Celso Petraglia. A gente quer entender, com um olhar crítico, como é que um clube de bairro que fazia vaquinha para lavar uniforme virou um caso internacional de sucesso no mercado da bola.

 

E como qualquer história brasileira que envolve muito dinheiro, esta aqui tem política no meio, intrigas, vaidades, tramas com a imprensa e, para variar, tem até CPI.

Bem… se você chegou até o sexto (e penúltimo) episódio desta série, suponho que você goste pelo menos um pouco de tudo isso aí.

 

Eu sou Filipe Andretta e este é o ‘Senhor da Razão?’, um documentário não autorizado sobre Mario Celso Petraglia e o Athletico Paranaense.

 

[Vinheta de abertura]

 

Episódio 6: Máquina de Lucro

 

Sanear as dívidas; acabar com o clube social; investir em estádio e centro de treinamento; contratar consultorias; trazer profissionais de ponta em diversas áreas; transformar o Athletico num clube formador e vendedor de jogadores.

Tudo isso faz parte do que Petraglia chama, com orgulho, de “o projeto iniciado em 1995”.

 

(Petraglia) Então, o Athletico hoje, vocês sabem que o nosso projeto é um case mundial. Entende? Nós já extrapolamos.

 

Esse famoso projeto é muito identificado com o Petraglia. Mas havia outros empresários envolvidos no processo. Em especial, duas pessoas.

 

(Ricardo Pinto) Não sei se você os conhece, foram diretores da época, o Ademir Adur e o Ênio Fornea. Eles eram um trio que começou a iluminar o Athletico, a fortalecer o Athletico. Depois, por motivos pessoais, eu não sei por que e também não é problema meu, eles se separaram, né? Mas eles é que iniciaram essa chama, eles que que botaram energia para essa chama ficar desse tamanho, você tá entendendo?

 

Quem você está ouvindo agora é o ex-goleiro Ricardo Pinto – aquele que quase morreu no jogo entre Athletico e Fluminense em 1996, a famosa Batalha das Laranjeiras (tema do episódio 3).

 

O Ricardo foi talvez o primeiro de muitos jogadores que seriam convencidos a vir para Curitiba depois de ouvir uma “palestrinha” sobre o tal projeto.

 

Pense bem: o Athletico estava na série B, não tinha títulos expressivos e levava fama de mau pagador.

Atrair bons jogadores para a Baixada exigia um trabalho de persuasão. Uma lábia que, muitas vezes, é o que diferencia os pequenos dos grandes negociadores.

 

(Ricardo Pinto) Tanto que quem foi me buscar no aeroporto, numa das vezes que eu vim aqui, e o Petraglia falou assim, eu estava eu tava no Corinthians, eu estava concentrado no hotel, ele ele me ligou falou assim: ‘Como é que é? Você vem ou não vem?’ Eu falei assim; ‘Olha, eu quero ir, mas eu tô meio na dúvida, minha família…’. Ele: ‘Faz o seguinte. Você faz o jogo aí hoje…’ era num domingo, ‘amanhã, segunda-feira, pega um avião com a sua esposa, vem aqui ver o projeto. Depois você volta. Aí você me diz.’ Quem vem me buscar na segunda-feira, no aeroporto, foi o Ademir Adur. Ele que nos levou lá para a sede. Ele que nos mostrou, e eu encontrei com o Petraglia lá.
(Filipe) Isso em 95?
(Ricardo Pinto) 95.
(Filipe) E o que que era esse projeto que eles mostravam em 95?
(Ricardo Pinto) Eles mostravam um projeto de time vencedor, de time estruturado, com estádio, com o centro de treinamento, você entendeu? Eles já tinham noção disso tudo, eles já tinham um planejamento para tudo isso.
(Filipe) Mas como que eles mostravam isso? Já tinha maquete?
(Ricardo Pinto) Eu não sei se tinha uma maquete de estádio. Eu não sei se tinha uma maquete. Eu acho que ainda não. Mas eles falavam, eu sabia o que que era, você entendeu? ‘Ah, isso aqui vai ser um dos maiores clubes do Brasil’. E o Petraglia começou com esse negócio, ‘nós vamos ser os campeões da América’.
(Filipe) E ele era convincente em vender isso?
(Ricardo Pinto) Muito, muito, muito… Ele falava como se já estivesse acontecendo. E o Ademir Adur e o Ênio Fornea, do mesmo jeito. O Ademir Adur, assim, até um pouco mais, que o Ênio Fornea era muito tímido. O Ênio Fornea nem falava. Mas o Ademir Adur ficava e o Petraglia falava: ‘Não é, Ademir?’, ‘É isso aí’.

 

Mario Celso Petraglia, Ademir Guimarães Adur e Ênio Fornea Júnior. O triunvirato – ou, como dizem os mais fervorosos, a “santíssima trindade” que assumiu o Athletico em 1995.

 

A história de como o Petraglia articulou a “revolução” você já conhece (foi contada no 1º episódio). Vamos falar, então, dos outros dois membros do trio.

 

Primeiro, Ademir Adur.

 

(Ademir Adur) Eu participava de um… eram 3 dirigentes do Athletico, um triunvirato, digamos assim, nomeado pelo conselho: Ademir Adur (eu), Ênio Fornea Júnior e o senhor Mário Celso Petraglia. Quando nós assumimos, por deliberação do Conselho Administrativo, foram definidas as funções dos três dirigentes.

 

Em 1995, Ademir Adur tinha 44 anos. Era empresário do ramo financeiro – sócio de uma corretora de valores que tinha negócios com grandes bancos, incluindo o extinto Banestado. Ademir Adur foi muito atuante na gestão das finanças do Athletico, como um tesoureiro.

 

Entre 1997 e 1998, quando Petraglia foi afastado durante o escândalo Ivens Mendes, foi o Ademir Adur que assumiu a presidência do clube.

Depois, o Athletico instalou um comitê gestor, formado basicamente por empresários e advogados, que escolhiam entre eles quem seria o presidente, com mandato de seis meses. Essa época foi marcada pela rotatividade na cadeira de presidente, e Ademir Adur assumiu o cargo novamente no ano 2000.

 

Já Ênio Fornea Júnior, o mais tímido e jovem dos três, nunca chegou à presidência.

Herdou do pai italiano, além do nome, uma construtora. Em 1995, o engenheiro civil de 39 anos já circulava entre os homens de sucesso da cidade.

 

(Ênio Fornea) A minha função, até por força de formação, sou engenheiro civil, sempre fui ligado à área de patrimônio do clube. Então, a minha participação dentro do Athletico, foi desde a compra do CT do Caju, as reformas, depois as reformas da Arena que ocorreram na primeira etapa do estádio. Minha participação era esta.

 

Você deve ter reparado que a qualidade dos últimos áudios não é das melhores, e que no fundo tem o barulho de alguém digitando freneticamente. Existe um motivo para isso, e eu te explico.

 

Eu queria muito ter entrevistado Ademir Adur e Ênio Fornea para o documentário. Os dois foram bem educados por telefone, mas não cederam à minha insistência. Me disseram que não querem mais tocar no assunto.

 

Ambos se afastaram do dia a dia do Athletico há mais de uma década, e ficou no ar a sensação de que alguma coisa entre eles e o Petraglia ainda está mal resolvida.

 

Os áudios que você ouviu agora há pouco foram retirados de uma audiência judicial de 2013. Ademir Adur e Ênio Fornea foram testemunhas numa ação que Petraglia moveu contra a Gazeta do Povo, o jornal mais tradicional do Paraná.

 

(Juíza) O senhor é amigo, parente, inimigo, tem algum tipo de relacionamento do o senhor Mario Celso Petraglia ou com a Gazeta do Povo?
(Ênio Fornea) Conheço Mario Celso Petraglia e a Gazeta do Povo sou assinante.
(Juíza) Certo. O senhor se compromete a dizer a verdade em tudo que lhe for perguntado?
(Ênio Fornea) Sim.
(Juíza) Se o senhor mentir pode cometer o crime de falso testemunho.

O motivo por trás deste processo tem a ver com o rompimento do triunvirato. Mais para a frente, você vai entender por quê.

 

A importância daquele trio na história do Athletico é bem evidente. Eu entrevistei em off pelo menos meia dúzia de pessoas que me garantiram: “eu vi com os meus próprios olhos esses caras colocarem em risco o patrimônio deles para ajudar o clube”.

 

Quando eles assumiram a gestão, em 1995, o Athletico estava praticamente falido. Ninguém queria emprestar dinheiro ou parcelar vendas para o clube, porque a chance de calote era enorme.

 

Ao contrário do Ahtletico, Petraglia, Adur e Fornéa tinham moral na praça (eram empresários respeitados). Então, para liberar um crédito para o clube, eles assinavam garantias em nome próprio ou da empresa que representavam.

Ou seja: se o Athletico não honrasse o compromisso, eles teriam que pagar.

 

Considerando que o Athletico construiu um centro de treinamento e uma Arena em apenas quatro anos, o volume de dinheiro necessário foi bem grande. A indenização recebida pela desapropriação do Pavoc (a antiga sede social) ajudou, mas não foi o suficiente.

 

A conta só fecharia se o clube fizesse boas vendas no mercado da bola. É aí que entra Mario Celso Petraglia.

 

(Ademir Adur) Quando nós assumimos, por deliberação do Conselho Administrativo, foram definidas as funções dos três dirigentes. E a função do setor de marketing e negociações externas de jogadores era exclusivamente com o senhor Mario Celso Petraglia.

(Ênio Fornea) Por determinação e um acordo feito entre todos, quem fazia todas as negociações de jogadores na época era o Mario Celso.
(Advogada) Mario Celso Petraglia?
(Ênio Fornea) Mario Celso.

 

A primeira grande venda do Athletico direto para a Europa aconteceu em 1997. O artilheiro canhoto Paulo Rink, prata da casa que vinha brilhando na dupla com Oséas, fez as malas rumo à Alemanha.

 

O Corinthians até tentou comprar o atacante por 5 milhões de dólares, mas quem venceu o leilão foram os alemães, dispostos a pagar até 8 milhões na época.

O Paulo Rink contou sobre essa transação numa entrevista para a TrétisTV.

 

(Paulo Rink) Em 97 você falar sobre 8 milhões, nós estamos falando hoje aí de valores astronômicos na transação de futebol. Então para mim foi um baque, porque eu fui para São Paulo fazer uma reunião com o Juan Figer, a pedido do Athletico, e eu chego lá está o Bayer Leverkusen com o contrato de cinco anos, minha esposa estava grávida de cinco ou seis meses, e eu volto de São Paulo contratado pelos próximos cinco anos pelo Bayer Leverkusen. E o Athletico feliz com a transação, que recebeu o dinheiro pelo passe, eu feliz com o novo contrato que eu tinha… então foi assim um momento único para mim onde fez toda a diferença na minha carreira. 

 

Você ouviu o Paulo Rink dizer que a negociação do passe dele aconteceu, a pedido do Athletico, numa reunião com Juan Figer. Isso pode parecer uma informação banal, mas não é.

 

Juan Figer era, sem exagero, o agente de jogadores mais influente do mundo. Um uruguaio que se mudou para o Brasil nos anos 1960 com o objetivo de trabalhar com importações e exportações. Deu super certo, mas nem ele imaginava que o seu nicho de atuação seria uma nova commodity em expansão: atleta de futebol.

 

Juan Figer tinha uma rede de conexões e olheiros espalhada pelo mundo inteiro. Ele e suas empresas intermediaram vendas históricas como a de Maradona para o Nápoli, Romário para o Barcelona, Denílson para o Bétis, Robinho para o Real Madrid e mais algumas que ele contou nesse documentário do SporTV. 

 

(Juan Figer) Nós interviemos em transferências de Walter Casagrande, Dunga, Sócrates, Mueller, Silas… tomávamos como referência valores entre 2, 2,5, 3 milhões de dólares. Isto significa, nesta época, 40, 50, 60 milhões de euros.

 

Petraglia sacou que exportar jogador era um negócio muito lucrativo e a única forma de viabilizar o projeto ousado que ele tinha para o Athletico. Só que nem o Petraglia e nem o clube tinham expertise no mercado internacional da bola.

Então, como o Petraglia costuma fazer, ele foi aprender com o melhor do mundo.

 

No final dos anos 1990, Petraglia costurou uma parceria com o maior agente de futebol da história e encheu o elenco do Athletico com jogadores representados por Juan Figer.

O uruguaio entrava como sócio no passe dos atletas e abocanhava uma parte do lucro na venda.

 

Essa dobradinha rendeu para o Furacão bons times, títulos inéditos, ótimas vendas e um pouco de dor de cabeça.

 

Com Juan Figer financiando parte das compras, o Athletico foi a Ribeirão Preto em 1998 buscar três jovens do Botafogo: o zagueiro Gustavo, o volante Cocito e o atacante Lucas.

 

(Lucas) Eu sou o Lucas! Eu sou o Lucas! 

 

No ano seguinte, 1999, o Botafogo de Ribeirão Preto voltou a cruzar o caminho do Athletico.

 

O Furacão jogava o primeiro Brasileirão na sua nova Arena e lutava para ficar entre os oito que disputariam a fase final. Mas na penúltima rodada, perde por 2×1 para o já rebaixado Botafogo de Ribeirão e fica sem chance de classificação.

 

Petraglia ficou puto. Distribuiu xingamentos e já quis demitir o técnico Oswaldo Alvarez (o Vadão). Só que, por causa daquele rodízio de presidentes que existia no Athletico, o mandatário da vez era Nelson Fanaya, amigo do Vadão, que bancou a permanência do treinador. E o resto é história.

 

(Torcida no aeroporto Afonso Pena) Uh, Caldeirão! Uh Caldeirão!
(Torcedor) Tem muito o que festejar a noite inteira. Agora, o time chegando, a gente está indo para a Baixada festejar, porque não é sempre que a gente vai para a Libertadores né?
(Torcida no aeroporto Afonso Pena) Furacão, eô, Atlético!

 

Mesmo terminando o Brasileirão em 9º lugar, o Athletico se classificou para a Libertadores pela primeira vez, graças a uma reviravolta maluca.

 

A Conmebol decidiu que o número de times na Libertadores subiria de 24 para 32. O Brasil ficou, então, com uma vaga sobrando e a CBF resolveu organizar um torneio no final do ano para decidir quem ficaria com ela.

 

No começo, a Seletiva da Libertadores tinha apenas times da Série A que não se classificaram entre os oito primeiros do Brasileirão. Mas, durante o torneio, as equipes eliminadas da fase final do nacional pulavam para a Seletiva, que virou tipo uma repescagem para a Libertadores.

 

O Athletico Paranaense eliminou primeiro a Portuguesa e, na sequência, o Coritiba. Foi a primeira e única vez até hoje que os rivais se encontraram num mata-mata nacional. 

 

(Gil Rocha) O clássico foi no Couto Pereira. O Coritiba saiu na frente, belo chute de Luiz Carlos. A resposta do Athletico veio no mesmo estilo: Cocito bateu forte, de fora da área, e empatou no segundo tempo. Virada athleticana que veio no gol de Adriano Gabiru, que recebeu passe de Lucas. Luisinho Neto, cobrando muito bem a falta, fez o terceiro do Athletico. E quem fechou a goleada foi Kleberson. Na época, ele ainda era reserva e entrou no jogo para fazer Athletico 4, Coritiba 1.

 

No jogo de volta, o Coxa vence na Baixada por 2×1, mas o resultado agregado classifica o Furacão.

O time de Vadão elimina depois o Internacional e o São Paulo para chegar à final contra o Cruzeiro.

Logo no primeiro jogo da decisão, brilhou a estrela de Lucas, que fez todos os gols da partida. 3×0.

 

(Cléber Machado) Vai para a cobrança de escanteio o Alberto, o André ameaçou sair, o toque de cabeça do Leonardo… Cris parcialmente, apenas, aliviou… a bola ainda do time do Paraná. Kleber se enrolou um pouco com ela, consegue o cruzamento a bola tá boa é legal… GOOOOOOL. Lucas, do Athletico Paranaense!

 

No Mineirão, mesmo perdendo por 2×1, o Athletico conquista o torneio e a sonhada vaga inédita para a Libertadores.

 

(Lucas) Agora é felicidade, é aguardar, ter férias, descansar, em janeiro tem mais, tem um campeonato muito importante que vai ser essa Libertadores no primeiro semestre, e a gente tem que estar bem consciente que, se esse ano foi difícil, o ano que vem vai ser pior.
(Torcida no aeroporto) Fanáticos! Athletico! Fanáticos! Athletico! Olê, leô… 

 

Existe uma polêmica se a Seletiva da Libertadores é, ou não, um título nacional do Furacão. Convenhamos que o nome não ajuda muito (a CBF podia ter pensado em algo mais criativo).

Mas o torneio teve troféu, medalha, volta olímpica e, no fim das contas, foi um mata-mata que reuniu os melhores times do Brasil em 1999, menos os quatro que já tinham vaga garantida na Libertadores do ano seguinte: Juventude (que levou a Copa do Brasil), Palmeiras (campeão da Libertadores), além de Corinthians e Galo (campeão e vice do Brasileirão).

 

Então, se você estiver ouvindo este episódio no Spotify ou no YouTube, tem uma enquete aí sobre esse assunto. Deixa o seu comentário e aproveita para seguir e avaliar o podcast.

 

Voltemos, agora, a falar de negócios. Mais precisamente, falar de dois casos fundamentais para entender como o Petraglia agia no mercado da bola e que, depois, viraram motivo de discórdia com velhos aliados.

 

Ainda em dezembro de 1999, logo após vencer a Seletiva, o Athletico já engata uma venda internacional. O lateral Alberto Valentim vai para a Udinese, da Itália.

 

Sete meses depois, o atacante Lucas é negociado com o Rennes, da França.

A venda veio no final da ótima campanha do Furacão na Libertadores, que venceu 5 dos 6 jogos da primeira fase, mas acabou eliminado pelo Galo nas oitavas, em disputa de pênaltis.

 

(Luciano do Valle) Olha só a sobra para o Lucas, vamos nessa, bateu para o gooooool… é do Brasil! É do Athletico! É do Lucas! Que bomba maravilhosa. Faz o terceiro do Athletico.

 

É aqui que começa a treta. Senta que lá vem história.

 

O que não se sabia à época é que essas duas vendas não foram diretas, do Athletico para o clube europeu. Alberto e Lucas foram vendidos primeiro, por um preço muito menor, para um modesto clube de Montevidéu, o Rentistas, que era ligado ao agente Juan Figer.

 

Mas nenhum dos dois atletas chegou sequer a vestir o uniforme de treino do Rentistas. O clube uruguaio era apenas um entreposto, que revendia o jogador para a Europa – e o verdadeiro preço da transação só aparecia nesta segunda etapa.

 

Olha só o caso do Lucas e preste atenção nos números, tá? O Rentistas já tinha metade do passe dele, comprado pelo Juan Figer lá em 1998 por meio milhão de dólares. No ano 2000, com o atacante valorizado, o clube uruguaio comprou do Athletico a outra metade do passe por 7 milhões e meio de dólares. E no dia seguinte, quando o clube de Juan Figer já tinha 100% do passe, ele revendeu o Lucas para a França por 21 milhões de dólares.

 

Mas os detalhes dessas transações só vieram à tona mais de uma década depois, em dezembro de 2011, dois dias antes das eleições no Athletico. Quem divulgou tudo foi a Gazeta do Povo, com documentos fornecidos de bandeja pela chapa que concorria contra o Petraglia.

 

Na chapa “Paixão Pelo Furacão” estavam Ademir Adur e Ênio Fornea – aqueles, do antigo triunvirato. A chapa tinha ainda o apoio dos ex-presidentes Valmor Zimermann, Marcus Coelho e Guivan Bueno, além de Maria Aparecida Gonçalves, a Cida, que foi diretora financeira do clube e braço direito do Petraglia por muitos anos.

 

Calma. Eu sei. É muito nome, muita informação. Mas, para resumir a história: antigos aliados de Petraglia, que concorriam contra ele em 2011, fizeram um dossiê sobre as vendas de Alberto e Lucas e entregaram esses documentos para a Gazeta do Povo na semana da eleição. O repórter André Pugliesi checou os fatos, procurou os envolvidos, e publicou a matéria – que você pode conferir nos materiais extras deste episódio, no site senhordarazao.com.br. 

 

Esse dossiê deixava no ar duas possíveis conclusões. Na melhor das hipóteses, Petraglia foi um péssimo negociador e permitiu que o Athletico fosse passado para trás pelos uruguaios. No pior cenário, Petraglia sabia dos termos do negócio e concordou mesmo assim, o que levantava a suspeita de que ele se beneficiou de alguma forma.

 

Foi por causa dessa reportagem que Petraglia processou a Gazeta do Povo, pedindo danos morais. Ele acusou o jornal de ser imparcial, mentiroso e de atacar a sua honra.

 

(Petraglia) A pior imprensa do Brasil, esportiva, é a nossa.
(Benja) Por quê?
(Petraglia) Ah, porque é incompetente, despreparada, é apaixonada pelas cores… e os nossos…
(Benja) Até os athleticanos?
(Petraglia) São vendidos.
(Mauro Beting) Mas como vendidos?
(Petraglia) Vendidos! Eles torcem contra!
(Mauro Beting) Mas torcem contra por motivos políticos?
(Petraglia) Porque, lá no Athletico Paranaense, ninguém leva vantagem.

 

Em sua defesa, Petraglia afirmava que nenhum dos documentos nas vendas de Alberto e Lucas sequer tinham a assinatura dele. Esse é um dos motivos que levaram Ademir Adur e Ênio Fornéa a serem ouvidos no processo. Eles esclareceram que, independente de quem assinasse, a venda de jogadores sempre era negociada pelo Petraglia. 

 

O doutor Mario Celso perdeu esse processo em duas instâncias, tentou levar o caso para o STJ, mas não conseguiu. Prevaleceu o entendimento de que a reportagem tinha informações jornalísticas de interesse público.

E, no final, quem acabou pagando 6 mil e 500 reais de honorários de sucumbência para a Gazeta do Povo foi o Club Athletico Paranaense.

 

Apesar da repercussão da reportagem, que motivou até uma investigação na Fifa, Petraglia venceu aquelas eleições de 2011. A gente vai contar essa história em detalhes no episódio que vem.

Mesmo assim, o tal dossiê foi um dos capítulos que azedou ainda mais a relação de Petraglia com boa parte dos empresários que estavam do lado dele nos anos 1990.

 

(Petraglia) Porque, quando eu cheguei aqui em 95 eu não trouxe ninguém. A única novidade do clube, fui eu. Toda a diretoria que estava durante o fracasso, até 95, continuaram conosco, até 2001. Ali começou a oposição nossa. Velada, doentia, entende… maldosa… menos naquela época, muito mais hoje… são 15 anos de oposição, de 2002 até hoje, com as mesmas figuras.

 

Se você apoiou o nosso documentário com 70 reais ou mais, vai receber o link para um episódio exclusivo em que a gente fala sobre outros processos curiosos de Mario Celso Petraglia contra jornalistas, torcedores e até juiz de futebol.

 

Se você ainda não apoiou, é bem fácil: é só acessar a nossa campanha de financiamento coletivo no site apoia.se/senhordarazao, ou fazer um pix para o email contato@senhordarazao.com.br (senhordarazao tudo junto, sem til nem interrogação).

Repetindo: contato@senhordarazao.com.br.

 

Quem colaborar com pelo menos 70 reais vai receber o link para todos os episódios exclusivos publicados, e um número de WhatsApp da produção para conversar com a gente sobre o que quiser.

 

Bem, voltando ao assunto…

O Athletico não foi o único a usar clubes uruguaios de fachada para exportar jogadores ligados a Juan Figer. Outros brasileiros entraram no esquema.

Um dos motivos dessa triangulação era pagar menos imposto, claro. A tributação uruguaia era muito menor. Então, a mordida da Receita Federal brasileira vinha em cima da venda para o Uruguai, não sobre o valor verdadeiro pago pelos europeus.

 

Essa gambiarra internacional entrou na mira de duas Comissões Parlamentares de Inquérito que rolaram simultaneamente entre 2000 e 2001.

 

(Zagalo) Com relação à CPI, acho que tem que ser feito… não é só dentro do futebol não. É em todo canto, todo canto. Onde há problemas acho que deve ter CPI. Para o bem nosso país é o que nós precisamos, talvez, é uma CPI em todo canto.

 

A Câmara dos Deputados fez a CPI da CBF/Nike. O objetivo inicial era investigar as falcatruas entre a patrocinadora da Seleção e a cúpula da CBF. Em 2001 (antes do penta), mesmo já repleta de craques, a Amarelinha fazia péssimas atuações sob o comando do técnico Emerson Leão, o que aumentava a pressão em cima da CBF.

 

(Mylena Ciribelli) A sofrida vitória sobre a Colômbia, logo na estreia, já dava ideia de como seria o período de Emerson Leão no comando da Seleção. Em oito meses, 11 jogos e apenas quatro vitórias. 47 jogadores convocados. O Brasil está em 4º lugar nas Eliminatórias para a Copa do Mundo, mesma posição conseguida na Copa das Confederações, de triste memória para o torcedor brasileiro. 

 

Só que a CPI da CBF/Nike virou uma lavação de roupa suja geral da cartolagem brasileira.

 

Mais uma vez, estava lá o deputado Eurico Miranda (presidente do Vasco e inimigo pessoal do Petraglia). A CPI teve momentos icônicos, como os depoimentos do lateral Roberto Carlos, de Ronaldo Fenômeno e do eterno técnico Mário Lobo Zagallo.

 

(Zagalo) Que que há? Eu não sou desonesto! Eu não sou desonesto! Que isso? Como é que pode dizer que eu assinei? Que eu escrevi alguma carta? Querem que eu fique calado diante do que está sendo dito, e que não existe!?
(Aldo Rabelo) Eu solicito à vossa senhoria que mantenha silêncio porque a Presidência não concedeu a palavra à vossa senhoria.
(Diversos deputados) Pela ordem, senhor presidente! 

Já o Senado montou a CPI do Futebol. Como o próprio nome sugere, ela investigava de tudo nesse universo de maracutaia.

O agente Juan Figer prestou depoimento nas duas CPIs, e os senadores resolveram quebrar o sigilo de vários clubes e dirigentes.

 

(Mylena Ciribelli) A crise do Flamengo não é só no Futebol. Em Brasília, a CPI do Futebol descobriu movimentações milionárias numa conta do clube nas Ilhas Caiman…

(Glenda Kozlowski) Mais uma vez, a CPI do Futebol no Senado não conseguiu ouvir o funcionário do Vasco Aremitas José de Lima. Para os senadores, já está comprovado que Aremitas era usado pelo deputado Eurico Miranda para desviar dinheiro do Vasco.

 

A CPI da Câmara nem chegou a aprovar um relatório.

Já a CPI do Senado, presidida por Álvaro Dias, depois de 14 meses de investigações, aprovou um relatório de 1.600 páginas que pedia o indiciamento de 17 pessoas, incluindo o deputado Eurico Miranda e Ricardo Teixeira (presidente da CBF).

 

O Athletico e Mario Celso Petraglia tiveram o sigilo quebrado pelo Senado. Mas, no relatório final, saíram ilesos.

Petraglia cita até hoje esse fato como prova da boa gestão do Athletico e da sua honestidade. “Reviraram minhas contas e não acharam nada”.

 

Durante as duas CPIs, Petraglia se afastou do dia a dia do clube para se dedicar à defesa dele e do Athletico. No papel, ele continuou como coordenador de marketing. 

 

Dentro daquele acordo de rodízio, quem assumiu a cadeira de presidente no segundo semestre de 2001 foi o advogado Marcus Coelho.

E um semestre foi suficiente para Marcus Coelho entrar para a história do Furacão.

 

(Galvão Bueno) Torcedor do Athletico Paranaense, você em Curitiba, em todo o Paraná, pode gritar. Acabou! Acabou! O Furacão é campeão brasileiro de 2001. O Athletico Paranaense. 4×2 no primeiro jogo. 1×0 no segundo. Festa do Athletico Paranaense. Festa dos jogadores junto à torcida.

 

A base do time campeão brasileiro já estava montada desde 1999, com o goleiro Flávio, Gustavo, Cocito, Kleberson, Adriano Gabiru e Kleber.

 

Depois vieram o capitão Nem, Rogério Corrêa, Fabiano, Alessandro, Pires, Souza, Ilan e ele, “o homem das partidas decisivas”.

 

(Torcida do Athletico) Rubro Negro! Rubro Negro!
(Luiz Carlos Júnior) Volta o lance. Souza, na tabela, lindo lance, olha o gol! GOOOOOL! É do Athletico! É dele: o homem das partidas decisivas. Alex Mineiro! Alex Mineiro faz o 3º… Vale a pena ver de novo. Alex. Souza. Alex. Daniel parou, ele ficou cara a cara, escolheu o canto e bateu. Lindo Gol!

 

Foi coisa de outro mundo. Alex Mineiro marcou em todos os jogos da fase final daquele Brasileirão: um contra o São Paulo em partida única na Baixada; todos os gols do Athletico na vitória por 3×2 contra o Fluminense na semifinal; mais três na Baixada, contra o São Caetano, no primeiro duelo das finais; e o único gol na vitória por 1×0 no estádio Anacleto Campanella, que sacramentou o título.

 

Simplesmente oito gols em quatro vitórias seguidas, que botaram a sonhada estrela amarela em cima do antigo escudo rubro-negro.

 

(Galvão Bueno) Olha o lançamento para o Kleber. Tem outra vez a chance da jogada de ataque. Vai partindo Fabiano pela esquerda. A jogada é com ele. Alex Mineiro na área, Adriano também, ele bateu cruzado… olha o gol! GOOOOOL! É do Furacão! Alex Mineiro é o nome dele! O oitavo gol de Alex Mineiro em quatro jogos decisivos!

 

No início daquele Brasileirão, o técnico era Mário Sérgio. Mas o time começou mal e a culpa, dizem, era da Casa do Dindo.

 

Dindo era um amigo dos líderes do elenco e organizava aquele famoso churrasquinho pós-treino. Só que os atletas exageravam na farra e isso começou a refletir dentro de campo, com algumas atuações em que o time parecia de ressaca mesmo.

 

Sobrou para o técnico Mário Sérgio que, antes de ser demitido, soltou a famosa frase: [abre aspas] ou o Athletico acaba com a noite, ou a noite acaba com o Athletico.

 

Veio então o técnico Geninho, que levaria o Furacão ao título brasileiro. E a contratação dele envolve outro capítulo na disputa entre Petraglia e antigos aliados.

 

(Ademir Adur) Nós estávamos na zona de rebaixamento, se não me engano na 7ª rodada ou coisa assim. Aí o técnico do Athletico era o seu Mário Sérgio, que o Petraglia tinha indicado…

Este é Ademir Adur, membro do tal triunvirato e ex-presidente do clube. Essa fala dele foi numa das reuniões da chapa “Paixão Pelo Furacão”, que disputou contra o Petraglia em 2011.

(Ademir Adur) Aí nós, sob comando do presidente Marcus Coelho, tomamos uma decisão, tínhamos que tomar uma decisão, senão nós seríamos rebaixados. E dispensamos o Mário Sérgio e trouxemos o Geninho. Foi quando nesse momento, e isso é um fato importante em 2001, o candidato da outra chapa não concordou com a vinda do Geninho e se afastou do clube. Isso é um fato, uma revelação que pouca gente sabe porque nunca ninguém… nós não vivíamos de microfone. Ele se afastou do clube, ficou afastado e apareceu exatamente no último jogo, na decisão em São Paulo, que eu lembro bem, ele apareceu com o pé em cima da bola, numa foto tirada de baixo para cima, estava escrito ‘O Dono da Bola’. No entanto, ele, desde maio ou junho, não lembro da data, ele ficou afastado do clube por não concordar com a nossa decisão de trazer o Geninho, e fomos campeões brasileiros.

 

Claro, a disputa pela “paternidade” do título mais importante da história do Athletico foi algo muito explorado pelos dois lados na eleição de 2011, que colocou frente a frente velhos parceiros.

 

Lembrando que, no papel, o presidente do Conselho Administrativo era Marcus Coelho, que também usou depois o microfone da chapa “Paixão Pelo Furacão” para cutucar o Petraglia.

 

(Marcus Coelho) Nós fizemos uma reunião em 2001, em um hotel aqui em Curitiba, com a psicóloga do clube à época, dra Suzy Fleury e, naquele dia, ela perguntou a todos os integrantes da direção do Athletico naquele momento: ‘quem de vocês não acredita que o Athletico será campeão brasileiro?’. Só teve uma mão que levantou e eu não vou dizer de quem foi, vocês já sabem quem é. (Risos da plateia) Essa mão apareceu, depois, abraçada com a taça, em cima do caminhão de bombeiros.

 

A resposta do Petraglia a essa história de que ele não teve um papel importante no título de 2001 é bem direta: “Vejam quem está na foto do time campeão”.

 

De fato, o elenco todo posou para uma foto de campeão em que Petraglia aparece sentado à frente, na posição de liderança máxima. Mas também é verdade que existe uma outra versão desta mesma foto, em que Marcus Coelho está no centro, com Petraglia ao lado.

 

Esse assunto da foto, obviamente, é simbólico. Ele ilustra como os egos e vaidades explodiram na Baixada depois do título de 2001, numa rixa que deixou mágoas e que ecoa até hoje..

 

[LEITURA DE DOCUMENTO]
Folha de S.Paulo, dezembro de 2001
O sucesso do Atlético Paranaense no Campeonato Brasileiro vai trazer lucros para outros clubes do país e, principalmente, para o empresário Juan Figer.
O motivo é que, apesar da sua invejada estrutura e dos investimentos nas categorias de base, o clube paranaense tem a maior parte de sua equipe titular formada por jogadores emprestados ou com metade dos direitos federativos pertencendo a outras agremiações.
Nesse segundo ponto, ninguém tem tanto a lucrar com o bom momento do Atlético como Figer, que depôs na CPI da CBF/Nike sobre seu relacionamento com o time paranaense.
Hoje, Figer é dono de metade dos direitos de três titulares do Atlético (o zagueiro Gustavo, o lateral Fabiano e o volante Cocito), além do atacante reserva Adauto. Ele também empresaria, entre outros jogadores, dois dos principais astros da equipe paranaense: o artilheiro Kléber e o meia-atacante Adriano.
O Atlético Paranaense se tornou o recordista de venda de jogadores para o exterior. Entre maio de 1998 e dezembro de 2000, segundo a CBF, 18 atletas deixaram o time curitibano para atuarem fora do país.

Sobre essa parceria do Athletico com Juan Figer, eu acho interessante trazer a opinião de outro personagem: Antônio Carletto Sobrinho.

 

Carletto ficou conhecido como “o garimpeiro de craques”, porque foi abençoado com um olhar raro para identificar atletas promissores. Ainda nos anos 1980, foi ele quem trouxe o Washington e Assis para o Athletico – o casal-20 que brilhou no Brasileiro de 1983 e que, depois, faria história no Fluminense.

 

Foi Carletto também quem indicou a contratação de Kleber, Gustavo, Cocito, Lucas e vários outros jogadores que deram alegrias aos athleticanos – além de lucros milionários para o Furacão e para Juan Figer.

 

Numa entrevista para a Tribuna em 2003, o repórter Cristian Toledo pergunta qual o lado bom e o lado ruim da parceria entre o Athletico e o agente uruguaio. E Carletto responde: 

 

[LEITURA DE DOCUMENTO]
Não conheço o lado ruim disso. Só o lado bom. Porque se você tivesse caixa, se o clube tivesse um caixa para comprar jogadores, não precisaria de ninguém. Era só escolher o jogador, ir lá e comprar. Mas não é assim. Tem exemplos de jogadores, vamos citar o Lucas, o Cocito e o Gustavo, que o Figer entrou de sócio conosco. Bom, na época era um milhão e oitocentos mil o preço desses jogadores. Não seria possível trazê-los. Era muito dinheiro. Aí nós fomos até o Figer, conversamos com ele para ficar com a gente. E todo mundo ganhou. O Atlético ganhou e o Figer ganhou. Mas se não fosse esse dinheiro da parceira, jamais o Atlético teria contado com esses jogadores.

O Athletico continuou fazendo negócios com Juan Figer por muitos anos ainda. Aliás, uma parte dessa história vai estar no episódio exclusivo para apoiadores, sobre os processos de Petraglia.

 

Quando o agente faleceu, em dezembro de 2021, Petraglia publicou uma nota de pesar:

 

[LEITURA DE DOCUMENTO]
Lamentável o passamento do meu amigo, professor e mestre, senhor Juan Figer! Nosso primeiro e insubstituível parceiro no Athletico! Se alguma coisa aprendi nessa atividade, foi por conviver com ele por vários anos e ouvir seus ensinamentos! Que descanse em paz!

O título brasileiro fechou o ciclo do triunvirato Petraglia, Ademir Adur e Ênio Fornéa. Quando eles chegaram, o Athletico parecia mais um time de bairro mesmo, em que empresários escapavam um pouco mais cedo da firma e passavam para assinar cheques numa casinha alugada.

 

Quando a parceria entre os três acabou, o projeto já estava de pé. O Athletico tinha construído uma Arena, um CT, disputado uma Libertadores e vencido um Brasileirão.

Talvez, até mais importante que isso, o Athletico tinha as contas equilibradas e faturava milhões por ano vendendo jogadores – como estava previsto desde o dia zero daquela gestão.

 

Dali em diante, assumir o clube traria outros desafios, com cobranças maiores, proporcionais ao tamanho que o Athletico tinha alcançado.

 

No próximo episódio, o último deste documentário, a gente fala mais sobre as disputas internas do Furacão, num momento em que todo mundo quer saber: quem vai ser o sucessor de Mario Celso em 2024.

 

(Petraglia) De lá para cá, se reúnem em bares, em antros, em locais de baixo nível. Bebendo, cheirando e conspirando contra a nossa honra. Já se vão quase 15 anos. E eles não desistem.

 

Eu sou Filipe Andretta, e este foi o 6º episódio do “Senhor da Razão?”, um documentário não autorizado sobre Mario Celso Petraglia e o Athletico Paranaense.

 

Gostou do nosso trabalho? Avalie o podcast no seu tocador e siga a gente no YouTube e nas redes sociais.

Se puder, contribua com qualquer valor no site apoia.se/senhordarazao ou pelo pix no email contato@senhordarazao.com.br (Senhor da Razão tudo junto, sem til nem interrogação). 

 

Esse documentário tem pesquisa, produção, entrevistas, locução, roteiro e edição sonora de Filipe Andretta.

 

As locuções foram gravadas com o apoio da Arnica Cultural, em Curitiba.

As leituras de documentos são feitas pela Andreia Porto, que não torce para ninguém.

A vinheta e as trilhas sonoras são do palmeirense Vinícius Antunes, com áudios da soundstripe e da artlist.

O site e a identidade visual são do flamenguista Fabricio Vinhas.

A gestão das redes sociais tem o apoio de Lucas Daniel de Lima, que também não torce para time nenhum.

E a assistência de produção é do athleticano André Carneiro.

Além de entrevistas exclusivas, esse episódio usou áudios de:

 

  • Canais de Foot Mercato e Pedro Alcazar21
  • Fox Deportes Espanha
  • TV CAP
  • Tribunal de Justiça do Paraná
  • TrétisTV
  • SporTV
  • TV Globo
  • CNT
  • RPC
  • TV Band
  • Fox Sports
  • GloboNews
  • Canal da Paixão Pelo Furacão

 

Obrigado e até a próxima.

 
 

Transcrição

Acesse a transcrição completa do episódio em arquivo PDF.