Episódio 4 - Transcrição

Num evento de aniversário do Athletico em março de 1997, Mario Celso Petraglia convoca a imprensa, exibe um novo uniforme com a campanha “Atlético Total” e a maquete da Arena da Baixada, que tinha a previsão de ser concluída no ano seguinte.

 

Dorival Chrispim: O senhor, até em tom de brincadeira, dizia ‘que pena que não estamos ainda em 1998’.

Petraglia: Exatamente. Eu gostaria que esse ano já tivesse se passado. Mas nós temos também muito trabalho, e o trabalho dignifica e nos motiva, nos gratifica também. E esse ano que vamos viver aqui no Athletico, nessa administração, com a colaboração de todos os athleticanos, da mídia, da imprensa, de todos os meios de comunicação, de todos os segmentos da sociedade, a família atleticana vai nos trazer grandes alegrias, então vai ser muito bom realizarmos esse trabalho esse ano aqui no Athletico.

 

Petraglia tinha certeza que, com o apoio da mídia, da imprensa, 1997 seria um ano muito feliz e produtivo. Ele estava enganado.

 

No episódio anterior, a primeira parte do Caso Ivens Mendes, você ouviu o que aconteceu antes do Jornal Nacional de 7 de maio de 1997 – a noite em que o nome Mario Celso Petraglia foi exposto para todo o Brasil numa reportagem sobre corrupção no futebol.

 

Petraglia comandava o Athletico havia dois anos, desde 1995. Àquela altura, o Furacão tinha uma rixa com o Fluminense por causa da partida que acabou em pancadaria e quase custou a vida do goleiro Ricardo Pinto.

 

O Fluminense também acusava o Athletico de ter perdido de propósito na última rodada da primeira fase do Brasileirão de 1996 – resultado que ajudou a rebaixar o tricolor carioca para a Série B.

 

Além disso, a diretoria do Athletico incomodava a Rede Globo e o Clube dos 13. Petraglia era líder de um grupo de times que começou a fazer jogo duro na venda de direitos de transmissão, porque se sentia excluído das negociações.

 

Até aqui, tudo o que eu acabei de descrever são fatos. Se esses fatos estão relacionados ao escândalo de corrupção, e em que medida eles estão relacionados, é um julgamento que eu deixo para você fazer.

 

Mas não ainda. Tem muita informação que a gente gostaria que você ouvisse antes de cravar o seu veredito.

 

No planejamento inicial desse documentário, o Caso Ivens Mendes ocuparia só um episódio. Mas não teve jeito porque, quanto mais eu fuçava, mais coisa cabeluda aparecia.

Se eu espremesse tudo num episódio só, ia ficar mal contado.

 

E esse é um caso que eu considero especialmente intrigante. Tem uma trama de fundo que envolve políticos, empresas, jogadores, juízes, cartolas… e tem um elemento a mais que é a cereja do bolo: a aflição de milhões de torcedores apaixonados Brasil afora.

 

Você vai ver que, de 7 maio até 21 de junho de 1997, a agonia tomou conta do futebol brasileiro, de Norte a Sul. 

 

Meu time vai ser rebaixado? Meu time pode subir? Aquele título valeu? Vão anular tudo?

 

O torcedor acostumado a roer as unhas só durante as partidas passou a suar frio enquanto ouvia a escalada de um telejornal, na banquinha de revista, ou até na porta da sede da CBF.

 

Fora dos gramados, muita coisa estava em jogo para Athletico Paranaense, Fluminense, Corinthians, Grêmio, Bragantino, Bahia, Náutico e outros clubes.

 

Foram quase dois meses de especulações e incertezas. Mais precisamente, seis semanas e três dias em que o futebol saiu dos estádios para ser disputado na Justiça Desportiva, na Justiça Comum e no Congresso Nacional.

 

Eu sou Filipe Andretta e este é o “Senhor da Razão?”, um documentário não autorizado sobre Mario Celso Petraglia e o Athletico Paranaense.

 

VINHETA

 

Episódio 4: O Caso Ivens Mendes – Parte II

 

Você lembra da origem do escândalo, né? Ivens Mendes era presidente da Comissão Nacional de Arbitragem de Futebol, a Conaf. Basicamente, era ele quem escalava o árbitro e os auxiliares de cada partida.

 

Em 1997, Ivens Mendes queria se candidatar a deputado e começou a fazer algumas obras no Triângulo Mineiro, sua base eleitoral. Ele pedia dinheiro a dirigentes de futebol para financiar aqueles projetos e, em troca, sugeria favores da arbitragem para o time do doador.

 

Aí, o telefone de Ivens Mendes foi grampeado e algumas conversas divulgadas no Jornal Nacional.

O diálogo com o Petraglia você já ouviu no episódio anterior.

 

Petraglia: Alô.

Ivens Mendes: Mario Celso? 

Petraglia: É.

Ivens Mendes: Eu tô precisando que você me mande hoje R$ 25 mil.

 

Mas o Petraglia não foi o único cartola com áudios publicados em rede nacional pela TV Globo.

 

Marcelo Rezende/TV Globo: O Corinthians também aparece entre os clubes que estariam ajudando a campanha de Ivens Mendes. O contato dele é o próprio presidente Alberto Dualib, como mostra a gravação. 

Ivens Mendes: Você precisa ver aí o que eles vão me ajudar, hein rapaz?

Alberto Dualib: Vai começar bem já.

Mendes: O que que você chama de bem?

Dualib: Bom, não é por telefone que eu vou te falar.

Mendes: Não, mas não tem nada demais. Começa bem… tanta gente ajuda candidato

Dualib: Já começa com um zero zero. Aqui pode ficar tranquilo que vai sair o que você quiser. 

Rezende: O presidente do Corinthians, Alberto Dualib, não quis gravar entrevista.

Dualib: …se eu fiz depósito? Me recuso, de forma nenhuma…

 

Alberto Dualib era um dos coronéis do futebol brasileiro. Ele presidiu o Corinthians por 14 anos, de 1993 a 2007, e foi o dirigente mais vitorioso da história do clube. Ganhou três Brasileiros, duas Copas do Brasil, além do controverso Mundial de Clubes de 2000.

 

O tom da conversa grampeada já mostra como o Dualib era liso, ensaboado nesse tipo de situação.

Primeiro, ele evita falar qualquer coisa comprometedora por telefone, provavelmente antecipando a possibilidade de um grampo.

 

Dualib: Bom, não é por telefone que eu vou te falar.

 

Depois, ele fala um valor de forma mais ou menos cifrada.

 

Dualib: Já começa com um zero zero.

 

A interpretação que todo mundo faz sobre “um zero zero” é a mesma: é o número cem. Cem reais seria um valor ridículo e cem milhões seria absurdo. Logo, Dualib estava falando em R$ 100 mil.

(Para se ter uma ideia, isso dá quase meio milhão em 2023, corrigido pela inflação).

 

Bem, na verdade, nem todo mundo interpretou “um zero zero” como R$ 100 mil. A defesa de Dualib alegaria que a conversa era sobre a doação de cem camisas para a campanha de Ivens Mendes. (Claro, uma tese convincente para caramba.)

 

A questão é que o grampo de Alberto Dualib era, ao mesmo tempo, um problema e um certo alívio para o Athletico.

Por um lado, era mais um indício do suposto esquema de corrupção entre cartolas e Ivens Mendes, no qual o Petraglia estaria envolvido.

Por outro lado, o Furacão não ficava sozinho no escândalo. Em tese, se o Athletico fosse punido, o Corinthians tinha que ser também. E o time paulista, membro do Clube dos 13, tinha muito mais torcida e prestígio político para lutar nos bastidores para abafar o caso. 

Esperava-se que os dois times estivessem no mesmo barco.

 

Eu conversei sobre isso com o jornalista Juca Kfouri, numa entrevista que os nossos apoiadores já receberam na íntegra com exclusividade.

 

Juca Kfouri: Você sabe que eu tenho um ponto de vista em relação a este episódio, a este Episódio especificamente, Digamos que, de certa maneira, se não absolve, atenua o papel do Petraglia. Por uma coisa, por uma por uma razão muito simples: esse episódio envolveu, além dele, o presidente do Corinthians, Alberto Dualib. Ali você tinha um presidente de um clube poderosíssimo e um presidente de um clube sem nenhum poder. E mais, um presidente neófito. Diferentemente do senhor Dualib. Eu vejo o Petraglia ali muito mais como vítima dos gangsters da CBF do que, propriamente, como cúmplice. Eu acho que ele foi chantageado e não teve a coragem de recusar a chantagem. Mas era muito mais exigível do Dualib que recusasse e denunciasse do que do Petraglia. Quer dizer, você se colocar no papel… que é a coisa que você mais ouve, né, da cartolagem: ‘se eu me rebelar contra a CBF, se eu a denunciar, eu acabo sendo roubado, eles acabam me derrubando, então tenho que jogar o jogo’. Ele tava acabando de chegar, o diretor de árbitros lhe faz uma proposta indecorosa, ele achou que era obrigado a aceitar entendeu? Diferentemente do Dualib, que poderia ter imediatamente tornado público a chantagem, o pedido, né, e estancado aquilo ali mesmo.

 

No dia seguinte à reportagem do Jornal Nacional, a imprensa fez vigília em frente à Baixada, à espera de uma declaração do Petraglia.

 

O time ainda treinava no campo do Joaquim Américo, enquanto tratores demoliam parte das arquibancadas. A administração ficava num sobrado de tijolos que existe até hoje, entre o estádio e a praça, na esquina das ruas Buenos Aires e Engenheiros Rebouças.

 

Na época, nem todo jogador tinha carro. Os que tinham, estacionavam ali mesmo, no quintal do sobrado, e acabavam respondendo à imprensa ao atravessar a rua – uma realidade muito diferente da atual, em que jogadores e comissão técnica ganham bem e ficam quase blindados dentro do CT do Caju.

 

Ouça o que falou o zagueiro Andrei e, na sequência, o atacante Oséas, ambos para o SBT:

 

Andrei: Quem tem que resolver são as pessoas do lado de fora. Nós, dentro de campo, temos que estar super tranquilos para nós alcançarmos o nosso objetivo, que é o título.

Oséas: Pra nós, nós vamos esquecer isso aí e pensar no jogo de sábado, que é muito importante para nós.

Samuel Barbieri/SBT: O técnico Jair Pereira ficou irritado e não quis falar sobre o assunto.

Jair Pereira: Rapaz, eu sou o treinador do Athletico. Isso você tem que perguntar ao pessoal lá.

 

Algumas fontes me relataram que, na noite anterior, o Petraglia viu a reportagem acompanhado de aliados próximos.

Depois de ter dado entrevista ao repórter Marcelo Rezende, ele só esperava para saber o tamanho da pancada que viria no Jornal Nacional. E a pancada foi grande, né?

 

Na mesma noite, Petraglia começou a armar a sua estratégia de defesa. E a primeira decisão foi o isolamento.

 

Boris Casoy/SBT: O presidente do Athletico Paranaense, Celso Petraglia, não apareceu hoje na sede do clube, em Curitiba.

 

Petraglia morava ali perto, a poucas quadras, na Avenida 7 de setembro. Praticamente não saía de casa. Ele estava acuado, com receio da repercussão.

Tinha medo também da reação da torcida, já que o clube podia ser punido por causa da atuação dele como presidente.

 

Mas a torcida foi, desde o primeiro momento, uma grande aliada. 

 

José Carlos Belotto: Aquilo lá foi bombástico assim, né? De repente vejo o Jornal Nacional falando o nome do nosso presidente ali, justamente na época em que o Atlético tinha lançado aquele ‘Atlético Total’ e o projeto da primeira arena, né? Aquilo deu um abalo assim que praticamente a diretoria do Atlético, todo mundo desapareceu… eu me lembro que eu peguei e liguei pro Petraglia, falei ‘ó, presidente, pode deixar que nós não vamos abandonar o barco, nós estamos aqui, nós acreditamos em você’…. 

 

Essa voz aí foi de José Carlos Belotto, presidente da Fanáticos entre 1994 e 1999. O vice dele era o Julião da Caveira, que você ouviu em episódios anteriores, e que assumiria a maior torcida organizada do Athletico na sequência.

 

Belotto me recebeu na casa dele, um sobrado no Xaxim, zona sul de Curitiba.

Ele já teve sua fase mais encrenqueira, mas hoje foge do estereótipo de hooligan aposentado. É técnico da UFPR e um entusiasta da ciclomobilidade. Aos 60 anos, está concluindo um doutorado e é muito bom de papo.

 

Ele conta, até com certo orgulho, que, com o sumiço da diretoria athleticana após a reportagem, foi a Fanáticos que assumiu a defesa do clube. Não com advogados, mas com atos públicos.

 

Belotto: e teve assim, eu não me lembro se sei lá…. cinco, seis dias, uma semana mais ou menos… você, pode achar que é pretensioso falar assim, mas quem comandou o Atlético ali fui eu, porque desapareceu toda a diretoria, os funcionários estavam lá, era lá naquela casa lá, perdido, não aparecia ninguém e quem começou a dar da ordem era nós mesmo ali da torcida, né?

 

Aquela matéria da Globo saiu numa quarta-feira, 7 de maio. No sábado, dia 10, a Fanáticos envia uma nota aos jornais. 

 

[LEITURA DE DOCUMENTO]

Não sejamos ingênuos! Deixar o Presidente Mario Celso Petraglia servir de bode expiatório? Jamais!!! Vejamos quem são os nossos inquisidores? Será que teremos que cruzar os braços e ver a maioria das pessoas serem induzidas mais uma vez por estes órgãos de imprensa que comandam a opinião pública no Brasil? Abram os olhos!

Dirigentes de clubes que construíram seu “glorioso passado” às custas de conchavos e negociatas e agora querem esbravejar. Realmente, é muita demagogia!

 

No mesmo sábado, o Athletico vence o Matsubara por 4×1 no Pinheirão, pelo Campeonato Paranaense. A torcida entoa o nome do presidente, leva uma faixa que dizia “Petraglia, estamos com você” e outra faixa com a mensagem “Rede Globo – CBF – Clube dos 13 – Assassinaram a alegria”.

 

E essas foram apenas as primeiras de muitas ações que a Fanáticos organizaria em defesa de Mario Celso Petraglia. A briga estava apenas começando.

 

Samuel Barbieri/SBT: À tarde, o presidente de CBF, Ricardo Teixeira, anunciou a abertura de um inquérito no Tribunal de Justiça Desportiva, para apurar as denúncias contra Ivens Mendes.

Ricardo Teixeira: A única vítima desse assunto é a CBF, que obviamente tinha dentro do seu corpo de funcionários alguém que, até provem o contrário, criou grave problema para a nossa arbitragem [11’11]

 

A batalha jurídica e política começou assim que a Globo divulgou a matéria sobre o caso.

 

No dia seguinte, Ivens Mendes já tinha renunciado ao cargo na Conaf, alegando que ele e sua família vinham sofrendo ameaças de morte.

 

Ricardo Teixeira, presidente da CBF, decide suspender preventivamente Petraglia e Dualib.

Essa é uma medida sem muito efeito prático: ela apenas impedia os dois de representarem seus clubes perante a CBF.

Quem assume formalmente o Athletico é o vice-presidente Ademir Adur. Ele e o Conselho Deliberativo fazem pronunciamentos de apoio ao Petraglia.

 

Mas o clima na Baixada continuava parecendo o de um avião em pane, com o capitão trancado dentro do banheiro.

Já o clima no bairro Laranjeiras, no Rio de Janeiro, parecia o de uma tripulação naufragada, quase submersa, que avistava no horizonte a chegada de um bote salva-vidas.

 

Em tese, o Fluminense estava rebaixado. Terminou em penúltimo no Brasileirão de 1996 e caiu junto com o Bragantino.

 

Lembrando que, naquela época, o Brasileirão começava só no segundo semestre. Então, em maio de 1997, os times estavam na fase final dos estaduais, enquanto rolavam também a Copa do Brasil e a Libertadores.

 

E o Flu já vinha mexendo os pauzinhos para virar a mesa.

A primeira tentativa foi anular um jogo entre Vasco e Bahia pelo campeonato de 1996.

Se conseguisse, os times teriam que jogar novamente, e um empate ou uma derrota do Bahia rebaixaria o clube no lugar do Fluminense.

 

Clayton Conservani/TV Globo: Na porta da CBF, torcedores do Fluminense vigiados por policiais militares.

Torcedores do Fluminense: Ão Ão Ão, primeira divisão!

Conservani: No tribunal, duas bancadas: a baiana e a carioca. O clima é de confidência. O assunto: um pênalti marcado por Marques Dias da Fonseca na partida vencida pelo Bahia por 3×2. A partir do resultado, uma denúncia contra o árbitro, acusado de receber R$ 5.500 de um sócio do Esporte Clube Bahia. Seis horas de julgamento. No final, todos os sete relatores inocentam o árbitro Marques Dias da Fonseca da denúncia de suborno. 

Álvaro Barcelos: Acho que chegou até longe demais. Recorrer pra quê? Vamos disputar em campo agora a segunda divisão, e voltar para a primeira, como todos os grandes clubes fazem.

 

Essa última voz na reportagem do Globo Esporte é de Álvaro Barcelos, presidente do Fluminense em 1997.

Se você digitar “Álvaro Barcelos” no Google, a primeira coisa que aparece é a foto de um senhor calvo, com um bigode grisalho, estourando uma garrafa de champagne e exibindo um sorriso que pode ser de alívio ou de cinismo. Ou os dois.

 

Guarde essa cena, que a gente falar mais sobre ela depois.

 

As vozes de Petraglia e Ivens Mendes num grampo telefônico soavam como música nas Laranjeiras. Música góspel, talvez. Era a esperança da salvação.

 

Faltavam menos de dois meses para começar o Brasileirão. De repente, cai no colo do Fluminense um fato novo para se salvar da Série B.

 

A diretoria do tricolor carioca não perde tempo: começa imediatamente a articular o rebaixamento do Athletico. E não está sozinha nessa.

Recebe publicamente o apoio do Clube dos 13 e da Federação Carioca.

 

A ideia era simples: cai o Athletico (punido por corromper a arbitragem), sobra uma vaga na primeira divisão, que naturalmente seria ocupada pelo Fluminense.

 

Mas por quê?

Por que cairia só o Athletico, se o Corinthians também estava envolvido?

Por que a vaga do Athletico ficaria com o Fluminense, penúltimo da Série A, e não com o Náutico, por exemplo, terceiro colocado da Série B?

Por quê?

 

Não havia previsão legal clara para esse tipo de situação. Tudo seria resolvido na base da pressão política.

E bota política nisso.

 

O Petraglia só se manifestou uma semana depois daquele Jornal Nacional.

No dia 14 de maio, ele enviou uma nota aos principais meios de comunicação:

 

[Leitura de documento]

Eu vi, estarrecido, minha própria imagem no “Jornal Nacional” da Rede Globo em meio a denúncias de corrupção no futebol brasileiro. Chocado, preferi o silêncio. Estive ao longo desses dias, refletindo para que a emoção não desviasse a racionalidade da minha resposta. Agora, mais calmo, confortado pela solidariedade dos amigos, quero prestar explicações que devo aos meus familiares, aos paranaenses, à maravilhosa torcida do Atlético, aos funcionários, fornecedores e clientes das empresas a que estou ligado, à imprensa e à opinião pública de todo o país.

 

Na sequência, Petraglia enumera dez argumentos em sua defesa. Entre eles:

 

[Leitura de documento]

Não sou réu. Sou vítima. Fui coagido e reagi com prudente receio para não prejudicar o Atlético.

Não corrompi ninguém. Jamais paguei ou mandei pagar um centavo sequer para corromper árbitros ou quem quer que seja.

Não sou cartola. Não vivo do futebol. Nossas empresas cresceram, expandiram-se para além do Paraná e do Brasil.

Eis uma autocrítica: Sou um homem de grandes paixões. Quando, há dois anos, assumi a comissão gestora e, em janeiro deste ano, a Presidência do Atlético, envolvi-me emocionalmente com esse desafio.

Qualquer torcedor, não-torcedor, torcedor adversário ou mero observador sabe o quanto o Atlético mudou nesses dois anos. Sinto-me gratificado. Mas é só o começo. Vamos concluir o novo estádio – este é um compromisso pessoal, meu e dos companheiros da Diretoria. O projeto ATLÉTICO TOTAL continua. 

 

E Petraglia termina sua nota com a seguinte frase:

 

[Leitura de documento]

Para finalizar, quero dizer que as dificuldades não abateram o meu ânimo e agradeço de todo o coração a solidariedade que tenho recebido.

 

Ao mesmo tempo em que rolava um inquérito na Justiça Desportiva, a Câmara dos Deputados começou a sua própria investigação. E acho que você pode imaginar o nível de seriedade que foi esse processo.

 

Leo Batista/TV Globo: Em Brasília, os deputados brigam na Comissão que apura denúncias de suborno no futebol. Os problemas começaram quando a subcomissão aprovou um requerimento pedindo a abertura de inquérito sem citar a quebra do sigilo bancário dos principais envolvidos. Eurico Miranda foi escolhido como presidente. Lindbergh Farias, Ricardo Gomyde e Carlos Santana resolveram então abandonar a Comissão, acusando os colegas de tentar abafar a apuração do caso. 

Lindbergh Farias: O deputado Eurico Miranda responde a um inquérito policial, artigo 171 e 288 do Código Penal, justamente ligada à arbitragem. É botar a raposa para cuidar do galinheiro.

 

Vale lembrar que Eurico Miranda era vice-presidente do Vasco e um dos maiores desafetos de Mario Celso Petraglia.

 

Sem falar que ele estava diretamente interessado no desdobramento do caso. O Vasco tinha sido eliminado da Copa do Brasil pelo Athletico Paranaense – com aquela polêmica expulsão do Edmundo (tema do episódio anterior). Por conta disso, o Eurico vinha pedindo uma indenização para o Vasco, e falava até em anular a Copa do Brasil, quando o torneio já chegava às finais entre o Grêmio de Paulo Nunes e o Flamengo de Romário.

 

Só que era uma subcomissão especial, sem status de CPI. Então, ela não tinha poderes para obrigar alguém a prestar depoimento, por exemplo. Os deputados convocavam, ia quem queria.

 

O primeiro a ser ouvido foi Ricardo Teixeira. O presidente da CBF adotou uma versão muito serena e conveniente: ninguém sabia de nada, ninguém pagou nem recebeu propina, a culpa era toda do Ivens Mendes, um traidor da confiança dele.

Essa mesma sessão virou um circo. Alguns parlamentares usaram a tribuna para questionar a escalação da lateral-direita da Seleção.

 

Aí, a falta de seriedade repercutiu mal. Na sessão seguinte, em 27 de maio, Eurico Miranda tenta colocar ordem na casa e faz uma sabatina mais pesada com o depoente da vez: Mario Celso Petraglia.

 

O presidente afastado do Athletico sustenta a mesma versão da nota enviada à imprensa. Se diz vítima de um achaque. Diz também que, se os diálogos fossem divulgados na íntegra, as pessoas veriam que ele não pagou nada para o Ivens Mendes.

 

Um deputado, então, pergunta por que o Petraglia não denunciou a suposta chantagem, e ele responde assim:

 

[Leitura de documento]

(Petraglia) Deputado, sou cristão novo no futebol. Existem outros dirigentes que estão há muito mais tempo do que eu. Não seria eu, sem provas ou materializando provas de forma ilícita, que iria fazer qualquer denúncia. Não seria eu, o presidente de um grupo de onze clubes emergentes e considerados pequenos (…); não seria eu contra um homem poderoso, que está há dez anos numa posição, como o Sr. lvens Mendes esteve, que faria, sem provas, qualquer denúncia.

 

A subcomissão ainda ouviria personalidades como o jornalista Paulo Vinícius Coelho (o PVC) e até o Pelé.

O PVC era repórter da Placar e tinha revelado mais acusações contra Ivens Mendes, que envolviam a manipulação de jogos das eliminatórias da Copa do Mundo. Já o Pelé era Ministro dos Esportes do governo Fernando Henrique e dizia, desde o começo, que o Caso Ivens Mendes envergonhava o futebol brasileiro.

 

No fim, para surpresa de ninguém, os trabalhos na Câmara acabaram em pizza. A tal subcomissão serviu para dar alguns minutos de holofote para meia dúzia de políticos, mas nem relatório ela apresentou.

 

O processo que importava mesmo rolava na Justiça Desportiva. O primeiro julgamento foi em 5 de junho de 1997.

 

Marcelo Baruki/TV Globo: Do lado de fora da CBF, 150 torcedores do Athletico Paranaense aguardam o resultado. Com eles, também, a torcida do Fluminense. Por muito pouco a manifestação não se transforma em pancadaria. Frente a frente, eles se desafiam.

 

No episódio 2 desse documentário, Julião da Caveira contou que essa foi a única vez que ele viajou bancado pelo Athletico. Os ônibus que saíram da Baixada cruzaram mais de 800 km até chegar na Rua da Alfândega, no Centro do Rio, onde funcionavam a CBF e o STJD.

 

É uma cena bizarra. Torcidas organizadas, polícia militar, cordão de isolamento… tudo isso longe de um campo de futebol. A expectativa lá não era ver um gol, um drible… era aguardar noite adentro o que decidiram senhores engravatados reunidos numa sala com ar condicionado.

 

Baruki: Na porta da CBF, os ânimos continuam exaltados. A PM é obrigada a intervir e prender alguns torcedores. No tribunal, o clima também é quente.

 

Petraglia não economizou com advogado. Além dos doutores que defendiam o Athletico (e entre eles estava Marcos Malucelli), o Petraglia tinha uma banca para sua defesa pessoal, com juristas de renome como Marçal Justen Filho e Miguel Reale Júnior.

 

Eles levantavam um argumento muito forte, que era o seguinte: não havia prova contra o Petraglia, já que toda a acusação se baseava em gravações ilegais.

Sim, porque no Brasil, você não pode interceptar um telefonema sem autorização judicial. Os grampos expostos pela Globo eram todos clandestinos. E a Constituição é muito clara ao dizer que prova ilícita não pode ser levada em consideração num julgamento.

 

Foi esse, aliás, o principal argumento que derrubou as ações na Justiça Comum. Na verdade, o jogo virou e a Polícia Federal passou a investigar quem seria o autor do grampo clandestino, que poderia até ser preso. Só que, como a Constituição garante aos jornalistas o sigilo de fonte, essas investigações também não avançaram – e até hoje, não se sabe quem grampeou o Ivens Mendes.

 

Bem. Na Justiça Desportiva, a tese dos advogados do Petraglia não colou. O presidente do Tribunal, Luiz Zveiter, fez um malabarismo argumentativo. Disse que o processo estava baseado nas reportagens da TV, não nos grampos ilegais (como se uma coisa não tivesse nada a ver com outra).

 

E aí veio o veredito.

 

Marcelo Baruki/TV Globo: Depois de 4h30 de julgamento, o STJD está impondo neste momento a maior punição para todos os envolvidos no escândalo do futebol.

O presidente do Athletico Paranaense, Mario Celso Petraglia, e o ex-presidente da Conaf, Ivens Mendes, estão para sempre eliminados do futebol. O presidente do Corinthians, Alberto Dualib, fica suspenso das atividades ligadas ao futebol por dois anos. Já o Athletico Paranaense está suspenso das competições no Brasil e no exterior por um ano, o que o deixa fora do Campeonato Brasileiro.

Os torcedores do Fluminense vão para casa comemorar um possível retorno à primeira divisão. Para os apaixonados athleticanos, a volta será bem mais longa.

Torcedor do Athletico 1: Campeonato Brasileiro passado nós jogamos bola. Numa canetada vão querer rebaixar nós?

Torcedor do Athletico 2: Se for assim, vai doer bastante.

 

Essa decisão deixou um monte de perguntas no ar:

Se Dualib ofereceu R$ 100 mil e o Petraglia R$ 25 mil, por que a pena do Petraglia foi maior?

O Athletico foi suspenso por um ano enquanto o Corinthians nem punido foi?

(Ah, mas não tinha nenhuma prova de benefício ao Corinthians, enquanto o Athletico supostamente foi beneficiado no jogo contra o Vasco)… Hmmm… ok…

Mas se o Tribunal entendeu que o Athletico conseguiu corromper a arbitragem, por que nenhum árbitro foi condenado?

 

Outra questão que não foi decidida pelo STJD naquela noite é o que seria feito com a Série A sem o Athletico. Tinha uma vaga sobrando, e todo mundo sabia quem era o clube favorito para ficar com ela.

 

O que os homens que mandavam no futebol provavelmente não calcularam foi o tamanho da comoção popular em torno da punição que o Athletico sofreu.

 

A decisão de suspender um clube por um ano foi vista como sacanagem por grande parte da opinião pública. Até o Pelé, ministro dos Esportes, saiu em defesa do Furacão.

 

A punição agitou ainda mais a organização de atos em defesa do Athletico. O maior deles, realizado numa sexta-feira na praça em frente à Baixada, entrou para a história da cidade e do estado.

 

Dorival Chrispim/CNT: Nível social, religião.. nada importava. O grande objetivo era mostrar a indignação rubro-negra. Da pacífica manifestação, participaram políticos, artistas, jogadores, até mesmo torcedores de equipes rivais fizeram questão de prestar solidariedade.

Torcedor coxa: a gravata vou guardar como recordação e espero que isso não aconteça mais no futebol paranaense.

Banda: Oh, alalaê, atleticano atleticano até morrer…

 

O coxa-branca vestindo uma gravata rubro-negra, abraçado com athleticanos, é uma imagem que resume um pouco o clima de união que tomou conta de Curitiba.

Claro, teve muito coxa e paranista comemorando a tragédia do rival. Mas, no fundo, a maioria sentia que a virada de mesa para cima do Athletico colocava todo o futebol paranaense numa situação de humilhação.

 

(Aliás, o próprio Coxa já tinha sido rebaixado numa canetada da CBF em 1989. Mas essa é uma história para outro podcast…)

 

Quem liderava a organização daquele ato na praça, dia 13 de junho de 1997, era a torcida do Athletico, principalmente a organizada Os Fanáticos, presidida por José Carlos Belotto.

 

Eles atacavam em várias frentes.

Numa época pré-redes sociais, a Fanáticos coordenou uma ação para sobrecarregar o aparelho de fax da CBF com, digamos assim, mensagens carinhosas.

Também fizeram um abaixo assinado que ganhou vida própria, com direito a barraquinha de plantão na Boca Maldita – o tradicional ponto de discussões no centro de Curitiba.

 

Belotto:  Como eu falei… parece que se tomou por um espírito de defesa do estado. Além do Athletico, a coisa extrapolou que a gente tinha ajuda dos coxas. Volta e meia me ligava diretor de escola: ‘você vem aqui falar para os alunos e daí já passar o abaixo assinado… pode vir na nossa escola aqui’… era uma loucura.

 

Dorival Chrispim/CNT: Apesar do clima de justiça e paz, a noite era mesmo de protesto. De todo o estado, chegaram mais de 100 mil assinaturas.

 

O ato em defesa do Athletico virou uma grande festa, com palanque político, bandas, espetinho, pipoca, chope… e é nessas circunstâncias que coisas estranhas começam a acontecer.

 

Belotto: Daí apareceu um cara maluco lá, de Londrina, falando que queria fazer greve de fome. Aí eu chamei a advogado da torcida. Falei ‘pô, o cara quer fazer greve de fome. Acho que isso vai dar repercussão, né?’. Ele falou ‘é bom fazer uma garantia. Vamos fazer um termo aqui, ele isentando a torcida, o clube, falando que ele tá fazendo por livre e espontânea vontade’. Aí, nós alojamos o cara bem na recepção do Atlético.

 

Dorival Chrispim/CNT: A indignação é tanta que um torcedor resolveu fazer greve de fome.

Torcedor londrinense: Eu tomei essa decisão, pode ser um pouco dura assim, pode ser dura, mas em defesa de uma Justiça séria. Não aquilo. Aquilo não foi Justiça. Por isso estou conclamando o Congresso Nacional, as pessoas, as autoridades, os políticos, o presidente da República… Que façam alguma coisa.

 

Eu fiz uma pesquisa sobre esse londrinense aí e achei duas curiosidades. 1) Não foi a primeira greve de fome dele. O cara já tinha feito o mesmo gesto durante 19 dias, contra o aumento da passagem de ônibus em Londrina. 2) Essa greve de fome em frente a Baixada durou quase uma semana, mas foi interrompida porque o sujeito pegou uma gripe e foi encaminhado ao Hospital do Cajuru.

 

Outra coisa inusitada que aconteceu naquele dia foi que a torcida athleticana quase invadiu a sede da RPC, afiliada da Rede Globo no Paraná.

 

Belotto: eu falei Maranhão o teu carro que tá mais decorado, você vai puxando a carreata, mas não, não para lá na frente da RPC, que é RPC ainda era no Castelo do Batel, que vai dar Caca, e daí assim foi saindo e daí tinha tanta gente, que de repente o Maranhão já tinha chegado lá na RPC ainda tinha gente que eu falei, eu só vou no último depois que sair o último carro eu vou, ainda tava liberando gente ali da Praça do Atlético, Me liga o Maranhão Belotto, tal não adiantou, o pessoal parou aqui na frente da RPC então querendo invadir aqui o castelo do do Batel.

 

Essa história completa vai sair no próximo episódio exclusivo que a gente vai mandar para  apoiadores do documentário.

Para ter acesso, basta contribuir com pelo menos R$ 70 no Pix contato@senhordarazao.com.br ou pelo site apoia.se/senhordarazao

 

Nesse material extra, você vai ouvir também os bastidores da construção da sede da Fanáticos – o dia em que o Belotto achou que podia falar grosso com o Petraglia, tomou uma dura e saiu com o rabinho entre as pernas.

 

Belotto: Cheguei lá e tal para falar com o presidente… ‘eu quero ver o que que tá acontecendo aí que proibiram os nossos caminhões’. Ele falou assim para mim: ‘Óh, primeiro baixa a bola aí, guri, e fale mansinho… Eu assumi o Athletico porque eu tenho poder, eu podia ser qualquer coisa no estado que eu quisesse… então você baixa a bola e escuta primeiro’.

 

O que quase ninguém sabe é que, por trás das ações da torcida para defender o Athletico estava a figura mais influente da política paranaense: Aníbal Khury.

 

Para resumir bem resumido, Aníbal Khury foi deputado estadual e presidente da Assembleia Legislativa tantas vezes que chega a ser difícil fazer uma conta precisa. Mesmo quando ele não ocupava a cadeira de presidente, todo mundo sabia quem era o homem que mandava na Assembleia.

 

Aliás, ele mandava no estado de modo geral. Foi governador interino diversas vezes e tinha apadrinhados políticos em praticamente todos os órgãos.

Ah, e um “detalhe”: não apenas era athleticano, como também foi presidente do Furacão na década de 1970.

 

Belotto: Com o Aníbal, me lembro que que cheguei lá e daí me apresentaram, então ele falou: ‘ah, filho, que sacanagem que estão fazendo com o nosso time, né? Mas pode deixar, nós fazemos esses caras dobrarem as pernas. A gente tem que pegar eles pelo bolso’. Já mandou um assessor dele. ‘Óh, vai lá na Fedato e compra produtos da Nike’, que era patrocinador da CBF. ‘Você tem coragem de pegar um pessoal, ir lá na Boca Maldita e fazer uma queima de produtos da Nike?’ Eu: ‘vamos lá’… ele falou também ‘vou articular, você vai lá no Programa do Ratinho’, que já era em Cadeia Nacional… no outro dia, eu já tava lá no Programa do Ratinho, que também é atleticano… me lembro que ele falou ‘meus filhos estão chorando por isso, porque queriam suspender o Athletico e ia ficar sem jogar’… o filho dele que tava chorando hoje é o Governador, né?

 

A essa altura, a situação do Athletico era desesperadora. As arquibancadas da Baixada estavam demolidas. Faltavam semanas para o início do Brasileirão e ninguém sabia o que fazer. A suspensão por um ano impactava a vida não só de jogadores e torcedores, mas também de dezenas de funcionários do clube.

 

Num ato revestido de gentileza, mas que soou como um deboche, o presidente do Flamengo, Kleber Leite, ofereceu para que todos os jogadores do Furacão fossem jogar lá por um ano. Na verdade, ele estava de olho na dupla Oséas e Paulo Rink, cobiçada pelo mercado da bola. 

 

O elenco do Athletico tinha recebido férias depois do campeonato estadual, vencido pelo Paraná Clube, e alguns jogadores não se reapresentaram em meados de junho. Afinal, se o clube estava suspenso, qual o objetivo de treinar?

 

Foi então que Aníbal Khuri, a maior raposa da política paranaense, sugeriu para o Belotto uma ação de protesto digna de filme.

 

Belotto: E daí tinha o plano mais ousado… falou assim: ‘você vai arrumar umas 500 cabeças e vocês vão lá e invadam o aeroporto, entre na pista do aeroporto com bandeira, com tudo, e fecha o aeroporto de de Curitiba, como parte do protesto do Atlético… eu garanto por duas horas eu consigo segurar a polícia’. Falou: ‘depois de 2 horas, saiam correndo que a polícia vai entrar lá e descer o cacete em vocês’

 

Pois é. Para a sorte dos passageiros que passariam pelo aeroporto Afonso Pena, uma nova decisão da CBF mudou os rumos do Athletico e acalmou os ânimos em Curitiba.

 

Ricardo Teixeira, presidente da CBF, estava pressionado. De um lado, tinha o Fluminense, apoiado pelo Clube dos 13 e pela Federação Carioca, articulando para ficar com a 24ª vaga da Série A.

 

Mas havia também um clamor popular para que a denúncia de corrupção não virasse um tapetão vergonhoso.

As manifestações em Curitiba ajudaram a fortalecer o sentimento de que não era razoável suspender um clube de futebol por um ano de todas as competições.

 

A articulação política também deu resultado. A bancada paranaense na Câmara fez a parte dela para defender o Athletico. Na reta final, conselheiros do clube praticamente montaram um QG no gabinete do senador Osmar Dias, em Brasília, e conseguiram o apoio decisivo do presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães, e do Ministro da Justiça, Iris Rezende. 

 

Quer ouvir uma teoria da conspiração que assombra o Caso Ivens Mendes?

 

Eurico Miranda, vice do Vasco e presidente da subcomissão na Câmara, disse ter conseguido cópia das fitas, com 18 horas de grampos telefônicos. Outras reportagens falavam que o material bruto entregue ao jornalista Marcelo Rezende tinha mais de 20 horas.

 

Essas gravações, dizem as más línguas, podiam dar problema para muita gente e teriam sido usadas para chantagear a cúpula da CBF. Algo na linha do “ou você resolve a situação do meu time, ou eu jogo merda no ventilador e todo mundo vai entrar na dança”.

 

Conspiração ou não, o fato é que a CBF deu um jeitinho que agradou quase todo mundo:

 

[Leitura de documento]

Folha de S.Paulo, 21 de junho de 1997

A CBF rompeu ontem com seu próprio estatuto e reconduziu o Fluminense e o Bragantino à primeira divisão do Campeonato Brasileiro.

Em vez dos 24 times definidos desde o ano passado e referendados pelo conselho técnico dos clubes que aprovou o regulamento, a competição terá 26 participantes.

Anteontem, o STJD havia assegurado a participação do Atlético Paranaense no campeonato, apesar da suspensão.

O arranjo político que resultou na nova fórmula foi conduzido pelo presidente da CBF, Ricardo Teixeira, que sofreu as maiores pressões e ameaças desde quando passou a dirigir a entidade, em 1989.

O dirigente saiu às pressas da CBF, evitando os repórteres. Mas um atraso de cerca de cinco minutos do seu carro o fez esperar na calçada, com seguranças.

Ele se recusou pelo menos 14 vezes a falar sobre a decisão. Atrás dele, cerca de 20 torcedores do Fluminense cantavam o hino do clube, destacando o verso “Quem espera sempre alcança”.

 

Foi nesse dia que o presidente do Flu, Álvaro Barcellos, estourou uma champagne, naquela cena bisonha que até hoje envergonha uma parte da torcida tricolor.

Afinal, por mais que a decisão da CBF fosse um alívio (livrava o Fluminense do rebaixamento), ela continuava sendo uma mancha na história do clube, não um fato para ser celebrado como um título, com festa espalhafatosa.

 

Há quem diga, aliás, que junto com a rolha da garrafa, Álvaro Barcellos estourou uma maldição dentro do Fluminense.

Cinco meses depois, o clube terminaria o Brasileirão em penúltimo novamente, sendo enfim rebaixado. Em 1998, novo vexame, caindo para a Terceira Divisão.

O Fluminense ainda escaparia de jogar a Série B graças a decisões extracampo outras duas vezes: em 2000, com a organização da Copa João Havelange, e em 2014, após um julgamento que tirou pontos da Portuguesa.

 

Aqui entra mais uma teoria sobre o Caso Ivens Mendes: a de que tudo foi armado para salvar o Fluminense.

 

Bem, você já tem informação suficiente para formar a sua convicção, mas eu trago mais uma: a palavra de Marcelo Rezende, jornalista que recebeu os grampos ilegais e fez a reportagem para o Jornal Nacional.

 

Ele faleceu em 2017, mas deixou algumas memórias no livro “Corta pra mim – os bastidores das grandes investigações”. Um dos capítulos é dedicado ao Caso Ivens Mendes, no qual ele encerra com a seguinte reflexão:

 

[Leitura de documento]

Mas na vida é difícil alguém nos dar algo de graça. E depois eu saberia o motivo real das fitas: tinham sido feitas por um grupo ligado ao clube Fluminense, então rebaixado para a segunda divisão. Com os grampos e a confirmação da manipulação de jogos, o Atlético Paranaense seria vergonhosamente rebaixado, e o Fluminense continuaria – como continuou – na primeira divisão do Campeonato Brasileiro.

 

No final, a história ficou assim:

A CBF cancelou todos os rebaixamentos das séries A e B de 1996, decisão que beneficiou Fluminense, Bragantino, Goiatuba, Sergipe e Central.

O Athletico Paranaense não foi suspenso, mas foi punido com a perda de cinco pontos na Série A de 1997. Terminou o ano em 18º lugar.

 

E o Petraglia?

 

Mais de um ano depois, em setembro de 1998, num julgamento que passou quase despercebido pela imprensa, a Justiça Desportiva reduziu para um ano de suspensão as penas de Mario Celso Petraglia e de Alberto Dualib, presidente do Corinthians. Foi considerado, então, que os dois já tinham cumprido a pena e estavam livres para atuar.

 

Em entrevista à Folha de Londrina, logo após a revisão da pena, Petraglia diz o seguinte:

 

[Leitura de documento]

Esperava que se reparasse parte da injustiça, porque a outra parte já vivi durante o período em que a pena foi imposta. Fui previamente julgado e condenado por todos. O que eu e minha família sofremos nesses 15 meses não tem como ser reparado. Quero dar o fato como encerrado e virar essa página da história da minha vida.

 

E para encerrar esse assunto, a gente fala sobre a última teoria envolvendo o Caso Ivens Mendes: a de que o Petraglia só passou por isso tudo por ter comprado uma briga contra a Rede Globo.

 

Juca Kfouri discorda:

 

Juka Kfouri: Eu acho que é um pouco teoria da conspiração. Que a Globo não o via com bons olhos, é evidente, né? Como não viu durante um largo período o Márcio Braga no começo dos anos 1990. Só que o Márcio Braga era o presidente do Flamengo. E aí o Márcio Braga fazia todo mundo recuar, a Globo, a CBF, a Fifa inclusive recuou [CORTE]. Mas então acho que a Globo não participaria de uma artimanha. ‘Vamos pegar esse cara com a boca na botija… seu Ives, faça esse serviço para nós’… até porque, se fosse isso, não envolveria o Dualib, não precisaria envolver o Dualib, que era parceiro da Globo. Acho que não. Aí, teorias do seu Petraglia, né, para se fazer de vítima.

 

Petraglia: Nós brigamos com a Globo, vocês conhecem a história, e com a CBF em 1997, quando eu fui alijado do futebol, quando o Athletico foi rebaixado para colocar o seu Fluminense. O sistema é podre e corrupto por uma vida toda e nós optamos por não fazer parte disso.

 

Você ouviu o quarto episódio do ‘Senhor da Razão?’, um documentário independente e não autorizado sobre Mario Celso Petraglia e o Athletico Paranaense.

 

Gostou do nosso trabalho? Avalie o podcast no seu tocador e siga a gente no YouTube e nas redes sociais.

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Esse documentário tem pesquisa, produção, entrevistas, locução, roteiro e edição sonora de Filipe Andretta.

 

As locuções foram gravadas com o apoio da Arnica Cultural, em Curitiba.

A leitura de falas do Petraglia estão na voz do athleticano João Vitor Kanufre.

As outras leituras de documentos são feitas pela Andreia Porto, que não torce para ninguém.

A vinheta e as trilhas sonoras são do palmeirense Vinícius Antunes, com áudios da soundstripe e da artlist.

O site e a identidade visual são do flamenguista Fabricio Vinhas.

A gestão das redes sociais tem o apoio de Lucas Daniel de Lima, que também não torce para time nenhum.

E a assistência de produção é do athleticano André Carneiro, que ainda leu o trecho do livro de Marcelo Rezende.

Além de entrevistas exclusivas, esse episódio usou áudios de:

 

  1. CNT
  2. Rede Globo
  3. SBT
  4. Rádio Transamérica
  5. TV Band
  6. Gazeta do Povo
  7. ESPN
  8. Athletico Paranaense
  9. Hino do Fluminense
  10. SporTV
  11. Fox Sports

 

Obrigado e até a próxima.

Transcrição

Acesse a transcrição completa do episódio em arquivo PDF.